Homem com deficiência visual sento guiado por um cão-guia. IMagem Freepik
O Dia Internacional do Cão-Guia é celebrado na última quarta-feira de abril, uma data criada pela International Guide Dog Federation (IGDF) para marcar sua fundação em 26 de abril de 1989. O objetivo vai além da comemoração: é um momento de conscientização sobre o papel transformador desses cães na vida de pessoas cegas ou com baixa visão.
A presença de um cão-guia garante não só mobilidade e segurança, mas também mais autonomia, inclusão social e bem-estar emocional para os usuários.
O processo de formação de um cão-guia é exigente, técnico e bastante estruturado. Desde os primeiros meses de vida, o filhote já começa a se preparar para essa missão.
Durante cerca de um ano, o filhote vive com uma família voluntária. Essa fase é essencial para expor o cão aos mais diversos ambientes — ruas movimentadas, transporte público, lojas, escadas e sons urbanos — além de ensiná-lo a obedecer comandos básicos, como sentar, vir, parar e deitar.
Após o período com os voluntários, o cão retorna para a escola de treinamento. Lá, instrutores especializados conduzem um processo intensivo que dura de 4 a 6 meses. Nessa etapa, o cão aprende comandos específicos de guia — contornar obstáculos, parar diante de escadas, andar em linha reta, seguir rotas urbanas e muito mais.
Além disso, o reforço da obediência é constante. Nem todos os cães chegam ao fim do treinamento. Aqueles que demonstram timidez, insegurança ou traços de agressividade são encaminhados para outras funções ou adotados como pets.
O apoio dos voluntários é fundamental. Eles são responsáveis por ambientar o filhote ao mundo humano desde cedo, o que facilita bastante a transição para o treinamento formal
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Mais do que guiar fisicamente, esses cães ajudam pessoas cegas ou com baixa visão a participar da sociedade de forma ativa.
Segundo a IGDF, os cães-guia garantem autonomia, segurança e ampliação da interação social (guidedog.org). Com eles, é possível ir ao trabalho, frequentar espaços de lazer, usar transporte público e participar da vida cotidiana com muito mais liberdade.
Relatos mostram também os impactos emocionais positivos. A convivência com o cão fortalece vínculos afetivos, reduz quadros de ansiedade e até sintomas depressivos. Como aponta um tutor entrevistado pelo portal Gov.br, o cão traz não só mobilidade, mas “inclusão social que reduz quadros depressivos”.
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No Brasil, a Lei Federal nº 11.126/2005 garante o direito de pessoas com deficiência visual ingressarem e permanecerem em ambientes públicos ou de uso coletivo acompanhadas de seu cão-guia (Fonte: novogama.go.gov.br).
Já o Decreto nº 5.296/2004, que trata da acessibilidade, reforça essa garantia. Segundo o inciso VIII do artigo 25, deve-se permitir a entrada e permanência do cão-guia mediante apresentação da carteira de vacinação atualizada (Fonte: camara.leg.br).
Isso vale para locais como ônibus, hospitais, cinemas, supermercados, restaurantes e qualquer outro ambiente coletivo, seja ele público ou privado.
Nos Estados Unidos, a ADA (Lei dos Americanos com Deficiência) determina que estabelecimentos públicos e privados não podem impedir a entrada de cães de assistência, mesmo quando há políticas de “proibido animais” (Fonte: ada.gov).
De forma semelhante, a Assistance Dogs International destaca que, na maioria dos países, pessoas com cães de serviço possuem direito legal de acesso público (Fonte: assistancedogsinternational.org). Isso inclui transporte, prédios, eventos e mais, com variações locais em relação a documentos ou certificações.
A data comemorativa é um momento de visibilidade: entidades realizam eventos, passeatas e ações educativas em vários países para conscientizar a população (Fonte: igdf.org.uk).
Segundo a IGDF, em dezembro de 2023, havia cerca de 19.557 cães-guia em atividade no mundo (Fonte: guidedog.org). Somente em 2023, foram treinados aproximadamente 2.598 novos cães — uma recuperação parcial após a queda nas formações durante a pandemia.
No Brasil, a situação é bem mais crítica. Estima-se que existam apenas 207 cães-guia ativos para cerca de 7 milhões de pessoas com algum grau de deficiência visual, sendo 500 mil completamente cegas (Fontes: unucg.org.br, univali.br).
Os dados da UNUCG apontam que:
73,9% dos cães-guia no Brasil são da raça Labrador Retriever;
14,5% são cruzamentos entre Labrador e Golden Retriever;
7,7% são Golden Retrievers puros.
O tempo médio para preparar um cão-guia no Brasil gira em torno de 1,5 a 2 anos, considerando o período de socialização (cerca de 1 ano) e o treinamento especializado (mais 5 meses)
Entre as instituições nacionais de destaque estão:
Escola de Cães-Guia Helen Keller (Balneário Camboriú, SC) — primeira da América Latina a ser certificada pela IGDF em 2017
Instituto Adimax (Salto de Pirapora, SP) — referência no setor, com dezenas de duplas formadas
Instituto IRIS e campi do IF Catarinense e IF Goiano, além de clubes de adestramento e ONGs em Pernambuco.
Entre as mais conhecidas estão:
The Seeing Eye (EUA), pioneira no setor desde 1929;
Guide Dogs for the Blind (EUA);
Guide Dogs UK (Reino Unido).
A maioria dessas organizações integra a IGDF ou a ADI, o que assegura padrões elevados de qualidade no treinamento.
Apesar dos avanços, há obstáculos significativos que afetam a expansão do serviço de cães-guia no Brasil e no mundo.
O Brasil conta com mais de 7 milhões de deficientes visuais, mas apenas cerca de 200 cães-guia ativos. A formação desses cães é cara, demorada e exige mão de obra voluntária, o que limita a capacidade de atendimento
O processo de criar e treinar um cão exige alimentação de qualidade, cuidados veterinários, abrigo e adestramento contínuo. Grande parte do investimento vem de doações e programas públicos. Durante a pandemia, a queda no número de cães treinados evidenciou essa fragilidade
Mesmo com legislação clara, ainda ocorrem recusas ilegais por parte de estabelecimentos que não permitem a entrada dos cães. Em alguns casos, exigem documentos que a lei não prevê, o que força os tutores a recorrer à Justiça
Nem todos os cães estão aptos para a função. O processo de seleção é rigoroso, e muitos filhotes são reprovados. Além disso, ao final da carreira, o cão precisa ser aposentado com dignidade, o que também exige planejamento institucional.