A pele de tilápia já vem sendo usada na medicina humana há um tempo, imagine descobrir que agora está com espaço na medicina veterinária, e pode devolver a visão ao seu cão ou gato. Uma técnica revolucionária desenvolvida por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará já realizou mais de 700 cirurgias oftalmológicas em animais, conquistando reconhecimento mundial e oferecendo esperança para tutores que enfrentam problemas oculares graves em seus pets.
A descoberta nasceu de uma década de pesquisas intensivas e hoje representa um dos maiores avanços da medicina regenerativa contemporânea. Coordenado pela médica veterinária Mirza Melo, o projeto utiliza a matriz dérmica acelular da pele de tilápia (MDAPT) para tratar lesões complexas na córneas, oferecendo uma alternativa segura, eficaz e acessível para casos que antes tinham prognóstico reservado.

A Descoberta Revolucionária da Pele de Tilápia na Veterinária
O projeto nasceu no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da UFC (NPDM-UFC), liderado inicialmente pelo cirurgião plástico Edmar Maciel. A escolha da tilápia da espécie Oreochromis niloticus não foi casual: este peixe possui características biológicas extraordinárias que o tornam ideal para aplicações médicas regenerativas.
A pele de tilápia veterinária apresenta abundante concentração de colágeno, componente essencial para processos de cicatrização. Além disso, demonstra excelente compatibilidade com organismos mamíferos, reduzindo significativamente o risco de rejeição. Quando adequadamente processada, essa matriz biológica acelera processos complexos de reparação do epitélio da córnea, promovendo a regeneração tecidual de forma natural e eficiente.
O primeiro uso clínico ocorreu em 2019, quando a equipe utilizou a pele ainda in natura em uma úlcera de córnea canina. Os resultados surpreenderam os pesquisadores: a cicatrização foi não apenas mais rápida que o esperado, mas também de melhor qualidade. Este sucesso inicial motivou o desenvolvimento da técnica refinada que conhecemos hoje, transformando um material biológico simples em um verdadeiro “curativo inteligente”.
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Como Funciona a Matriz Dérmica de Pele de Tilápia
A matriz dérmica acelular da pele de tilápia funciona como um scaffold biológico (uma estrutura biológica complexa que serve de suporte para o crescimento, desenvolvimento ou organização de células e tecidos) . Após rigoroso processo de descelularização e descontaminação, o material mantém sua estrutura de colágeno intacta, criando um ambiente ideal para regeneração celular. Quando suturada sobre a lesão ocular, a matriz atua como um molde tridimensional que guia o crescimento de novos tecidos.
Uma das características mais impressionantes da pele de tilápia veterinária é sua permeabilidade a medicamentos. Isso permite que tratamentos tópicos sejam aplicados normalmente, potencializando os efeitos terapêuticos. Além disso, a matriz possui propriedades analgésicas naturais, proporcionando alívio da dor durante o processo de cicatrização, o que contribui significativamente para o bem-estar do animal.
O material também apresenta alta aderência ao tecido receptor e, surpreendentemente, não serve como substrato para bactérias. Esta característica antimicrobiana permite sua aplicação mesmo em lesões contaminadas, ampliando drasticamente suas possibilidades de uso clínico. O tempo de absorção da matriz coincide perfeitamente com o tempo natural de cicatrização corneana, eliminando a necessidade de remoção cirúrgica posterior.
Benefícios Clínicos Comprovados
Os resultados clínicos da pele de tilápia veterinária têm impressionado tanto pesquisadores quanto veterinários práticos. Em casos de perfurações nas córneas, a técnica consegue recuperar a transparência, fator crucial para restauração da visão. Esta capacidade de preservar a clareza óptica representa um avanço significativo em relação às técnicas tradicionais de reparação ocular.
A versatilidade da matriz permite seu uso em diferentes espécies animais. Além de cães e gatos, o tratamento já foi aplicado com sucesso em primatas, aves e porquinhos-da-índia, demonstrando sua ampla aplicabilidade na medicina veterinária. Esta diversidade de aplicação sugere que a técnica pode beneficiar praticamente qualquer animal doméstico ou silvestre que apresente lesões corneanas.
Outro benefício notável é a redução significativa do tempo de cicatrização. Enquanto lesões corneanas complexas tradicionalmente requerem semanas ou meses para cicatrizar completamente, o uso da pele de tilápia veterinária pode acelerar esse processo em até 50%. Esta rapidez quando tratada de animais facilita muito o tratamento, pois medicar, e deixar os pets de repouso, pode ser um grande desafio.
Casos de Sucesso e Reconhecimento Internacional
O caso de Bud, um de 8 anos, exemplifica perfeitamente os benefícios práticos da técnica. Após sofrer uma grave lesão ocular em briga com outro cão, Bud passou pela cirurgia com pele de tilápia veterinária em 2023. Sua tutora, a terapeuta Geórgia Moreira de Fortaleza, relata: “Ele ficou ótimo, eu nem noto a cicatriz”. Esta recuperação exemplar demonstra não apenas a eficácia da técnica, mas também sua capacidade de restaurar completamente a função e aparência do olho tratado.
Ao longo de dez anos, o projeto acumulou 8 artigos científicos publicados, 4 premiações nacionais, 4 capítulos de livros e participação em missões humanitárias internacionais. A técnica foi destaque em tragédias como as queimadas do Pantanal, enchentes do Rio Grande do Sul e até na explosão de Beirute, demonstrando sua aplicabilidade em situações de emergência.
A mídia internacional também reconheceu a inovação brasileira. A pele de tilápia veterinária foi tema de cinco seriados internacionais, incluindo os famosos Grey’s Anatomy, The Good Doctor e One Piece, levando o conhecimento sobre esta técnica brasileira para milhões de espectadores ao redor do mundo. Em 2023, o grupo recebeu o prestigioso Prêmio Eurofarma, conhecido como “Oscar da Medicina”, consolidando definitivamente sua posição no cenário científico internacional.
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O Futuro da Oftalmologia Veterinária
Atualmente, a equipe trabalha na padronização e organização dos dados para ampliar o uso da técnica em outras patologias oftalmológicas. Este esforço visa permitir a produção comercial da matriz, democratizando o acesso a cirurgiões veterinários em todo o país. A expectativa é que essa disponibilização comercial torne o tratamento mais acessível financeiramente para tutores de diferentes classes sociais.
A pesquisadora Mirza Melo integra um grupo internacional de 380 especialistas em nove países, todos envolvidos na frente global de pesquisa sobre pele de tilápia em medicina regenerativa. Esta colaboração internacional promete acelerar ainda mais os avanços na área, com possibilidade de desenvolvimento de novas aplicações e aprimoramento das técnicas existentes.
As perspectivas futuras incluem a expansão da pele de tilápia veterinária para oftalmologia humana. Com a consolidação dos resultados e comprovação da segurança da técnica, pesquisadores acreditam que em breve poderemos ver esta inovação brasileira beneficiando também pacientes humanos com problemas oculares similares. Esta transição da medicina veterinária para humana exemplifica perfeitamente o conceito de “Uma Só Medicina”, onde avanços em uma área beneficiam ambas as espécies.