Apesar de ser muito mais comum escutar falar sobre o consumo de carne canina na China, o que leva muitos a chegarem a conclusão que todos os chineses comem carne de cachorro, existe um grande número de pessoas que não são adeptas a essa prática e lutam para que haja uma mudança de hábitos nesse país milenar.

Para nós que fazemos parte de uma cultura que além de não comer cães, deposita na espécie um papel emocional grande, a ideia de um cachorro servir de comida é chocante e totalmente tabu.

Foto: Reprodução

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Mesmo que em regiões como o sul e nordeste da China, muitos considerem a carne canina uma iguaria e escolham persistir com a tradição que data há milhares de anos, houve claramente uma mudança significativa de pensamento a partir do século 21, com o consumo geral caindo em um terço em comparação com 2013.

Três fatores são cruciais nessa mudança: o primeiro sendo o governo local implementando regras mais rígidas; o segundo a pressão da comunidade internacional e uma própria mudança no comportamento de muitos chineses que passaram a possuir cães como animais de estimação; e a terceira sendo o incentivo à atenção com a procedência das carnes, com muitos animais de estimação sendo roubados para o consumo posterior utilizando até mesmo técnicas como o envenenamento.

Em casos específicos no país, como o de Hong Kong, é proibido o consumo de carne canina desde seus tempos como colônia britânica em 1950, penalizando para os que forem contra a norma multa ou empresionamento.

Mais recente, restaurantes renomados, como o Sunshine, em Guangzhou, que primeiro abriu suas portas em 1963, se vêem obrigados a fechar as portas por que a demanda pela carne canina está caindo. Outros estabelecimentos das redondezas não fecharam as portas ainda, mas escolheram retirar as carnes caninas e felinas de seus cardápios em resposta a crescente preocupação com o bem estar animal.

Protetores de animais param um caminhão que carregava 500 cães para o mercado em Beijing. Foto: AFP

Protetores de animais param um caminhão que carregava 500 cães para o mercado em Pequim. Foto: AFP

Com a globalização e a influência dos países ocidentais, as grandes cidades da China estão cada vez mais suscetíveis à mudança. Um exemplo de como a opinião internacional tem sido fundamental na questão é o caso das Olimpíadas de Pequim, em 2008, quando os oficiais ordenaram que os 112 restaurantes credenciados retirassem itens que envolvessem carne de cachorros de seus menus para não gerar comoção com os turistas.

Iniciativas locais como a Chinese Animal Protection Network (CAPN) e outros grupos de protetores estrangeiros, como a norte-americana Duo Duo Animal Welfare, lutam para que o consumo seja abolido. A briga é grande e as dificuldades não ficam só com a tradição, mas com o fato de ser tecnicamente legal comer um cachorro ou gato no país e com o argumento dos que consomem e vendem carne canina, que chamam de hipocrisia a ideia de que alguns animais podem ser comidos e outros não.

Para adicionar mais pressão de fora, movimentos online ganham força graças as redes sociais e contam com o peso de nomes famosos no entretenimento, como o do comediante Ricky Gervais. Vimos uma grande movimentação contra o Festival de carne canina que comemora o Solstício de Verão em Yulin, na região de Guangxi, este possuindo uma estimativa de abate de mais de 10 mil cães. A hashtag #stopyulin2015 foi usada milhares de vezes no Twitter e uma petição contra o evento no site Change.org teve mais de 200 mil assinaturas. Apesar de tanto o Twitter quanto o Facebook serem proibidos na China, a discussão dentro do país segue viva e utilizando a rede social Weibo, 350 mil pessoas participaram de um forum debatendo sobre o tema, com argumentos tanto contra quanto a favor.

A força da mudança é sentida na prática, até mesmo causando o fim do festival em Qianxi, na província da Zhejiang, que era similar ao de Yulin e já existia há 600 anos.

Foto: Flickr/Animals Asia

Foto: Flickr/Animals Asia

No geral, apesar de a China não ser um exemplo quando o assunto é o direito nos animais, vários países como um todo não o são, incluindo o Brasil. No caso dos chineses, a cultura milenar entra em choque com valores relativamente novos e que em um passado recente não pertenciam a maior população do mundo. A mudança envolve economia, tradição, hábitos alimentares arraigados através de dezenas de gerações e muita história. Segundo uma investigação de quatro anos da  NGO Animals Asia, apesar de ser um mercado em sua grande maioria sem regulamentação, estima-se que 10 milhões de cães sejam consumidos na China todo ano.

Especificamente quanto ao consumo da carne canina, os motivos vão desde o afastamento de má sorte à fatores afrodisíacos. Ainda há registros de consumo da carne em diversos países no mundo, seja por parcelas grandes da população ou por minorias. A mudança real é mais complexa e fragmentada, já que cada região possui suas próprias leis e culturas e vive de acordo com o que julgam ser o certo.