Oxana (à esq.), ucraniana criada por cães, em entrevista à antropóloga Mary Ann Ochota, da série “Criadas por Animais”. (Divulgação)

 

Por trás de histórias como as de Tarzan e de Rômulo e Remo existem casos reais e atuais de crianças que cresceram sem contato humano, apenas com outros animais.

A nova série em três episódios “Criadas por Animais” no Animal Planet investiga e mostra casos verídicos e seus personagens.

A apresentadora Mary Ann Ochota, antropóloga britânica, viaja até lugares como Uganda, Ucrânia e Fiji em busca de testemunhas oculares, imagens e explicações.

Em entrevista coletiva concedida por teleconferência, Mary Ann disse que “é difícil saber quantos casos existem. Muitos são antigos e outros mantidos em segredo”. Por isso é que filmou apenas três programas. “São raros os casos em que é possível saber a história real, genuína.”

O primeiro episódio é sobre John, um menino que viveu com macacos nas florestas de Uganda. O segundo episódio mostra o drama de Oxana, uma garota ucraniana que, abandonada por sua mãe alcoólatra, achou companhia entre cães. O último episódio exibe a história de Sujit, em Fiji, que viveu trancado com galinhas.

Em todos os casos, o desenvolvimento da fala, do andar, do comer, do convívio e da confiança nos outros é gravemente comprometido devido à falta de estimulação em períodos críticos. “Isso mostra o quão vulneráveis são as crianças”, afirma Mary Ann.

A psicóloga e especialista em comportamento animal Nancy Segal, da Universidade Estadual da Califórnia (EUA), acrescenta dois casos. “Um é o de Genie, que foi criada pelos pais em isolamento social. O outro é o de Victor, um francês que cresceu em ambiente selvagem.” Ela explicou à Folha que ambos adquiriram algum vocabulário, sem apresentar gramática.

A dificuldade dessas crianças com a fala ocorre porque há um período crítico, influenciado pelo instinto, para que uma habilidade como a linguagem possa se desenvolver com a ajuda de um estímulo. Se esse período passa, a aprendizagem é dificultada ou pode até não ocorrer.

“A resposta geral das crianças reencontradas é confusão e medo”, disse Mary Ann. “O garoto de Uganda fugiu várias vezes do orfanato para voltar para a floresta.”

As crianças só mostraram progresso na reabilitação após criarem vínculos com alguém em especial.

A psicóloga e etóloga Vera Bussab, especialista em vinculação mãe-bebê da USP, salienta que “a predisposição natural humana para a vinculação afetiva está presente desde antes do nascimento”.

“A motivação para a interação, o reconhecimento precoce da mãe e a expressão de emoções positivas frente à proximidade dela são indicadores dessa predisposição instintiva ao vínculo.”
Mary Ann destaca “o quanto os animais foram importantes para as crianças sobreviverem emocionalmente”.

Para ela, “os macacos em Uganda estão acostumados com humanos e até toleraram John no seu grupo, mas não cuidaram dele ativamente”.

Vera diz que “a própria adoção de filhotes de uma espécie por outra mostra uma abundância de instintos de cuidar. E a aceitação de condições substitutivas, nas quais os filhotes aproveitam ao máximo essa maternidade, supre dificuldades emocionais no crescimento”.

 

Ficção e Realidade

O tema de crianças criadas por animais é comum em histórias e filmes. Mary Ann diz que isso ocorre “porque nos mostra do que precisamos como humanos”.

“Os estereótipos dessas histórias são compreensíveis, mas não se trata de uma volta romanceada ao jardim do Éden. Na realidade, elas passam fome, frio e se esforçam ao máximo para sobreviver.”

Segundo Vera, não é por acaso que a sobrevivência de crianças pequenas sob os cuidados de outros animais intriga a todos nós. “Há um reconhecimento implícito da dependência especial que o recém-nascido humano tem dos cuidados fornecidos pelo pai e pela mãe.”

 

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