Antropomorfize tendo o Unwelt em mente.

Mesmo empregando uma abordagem científica do cão, nos surpreendemos usando palavras antropomórficas. Nossos cães – meu cão- fazem amigos, sentem-se culpados, divertem-se, têm ciúmes; entendem o que queremos dizer, pensam, sabem mais; ficam tristes, alegres e apavorados; querem, amam, esperam.

Essa maneira de falar é fácil, e ás vezes útil, mas também faz parte de um fenômeno maior e excepcional. Quando reformulamos cada momento da vida de um cachorro em termos humanos, começamos a perder completamente o contato com o animal que existe neles. Já não é raro que um cão seja banhado, vestido com roupas e festejado em seu aniversário. Tudo isso pode parecer benigno, mas também faz parte de uma “desanimalização” dos cães que é, até certo ponto, extrema. Raramente estamos presentes em seus nascimentos, e muitas pessoas escolherão não estar presentes quando seus cães morrerem. Na maioria das vezes, eliminamos o sexo: castramos os cães e desencorajamos a mais modesta estocada lasciva de seus quadris. Eles são alimentados com comida esterilizada, em tigelas; são geralmente restritos à distância de uma coleira de nossos calcanhares. Nas cidades, o excremento é recolhido e jogado no lixo. (Felizmente, ainda não os ensinamos a usar o banheiro… embora saibamos o quanto conveniente seria.) Os tipos de raça são descritos como produtos, com características específicas. É como se estivéssemos tentando nos livrar da parte animal do cão.

Se adotarmos a redução do fator animal a zero, teremos surpresas desagradáveis. Nem sempre os cães se comportam exatamente como pensamos que deveriam se comportar. Ele pode sentar, deitar e rolar e, em seguida, reverter magnificamente: de repente, agacha e urina dentro de casa, morde sua mão, cheira sua região genital, pula em cima de um cara estranho, come algo embolado na grama, não atende seu chamado, ataca violentamente um cãozinho. Dessa forma, nossas frustrações em relação a eles muitas vezes surgem de nossa extrema antropomorfização, que nega toda a animalidade dos cães. Um animal complexo não pode ser explicado de forma simples.

A conduta alternativa não se limita a tratar animais como precisamente não humanos. Agora possuímos as ferramentas para avaliarmos com maior precisão o comportamento deles: tendo em mente seu unwelt (mundo interior) e suas capacidades perceptuais e cognitivas. Tampouco precisamos assumir uma posição desapaixonada. Os cientístas antropomorfizam…em casa. Dão nomes a seus bichos de estimação e vêem amor no olhar de baixo para cima de um cão com nome.

Nas pesquisas, os nomes são proibidos: embora possam ajudar a identificar os animais, eles não são benignos. Nomear um animal selvagem “afeta o pensamento de alguém sobre ele para sempre”, observou um destacado biólogo de campo. Existem preconceitos observacionais óbvios que são introduzidos assim que o sujeito de suas observações é nomeado. Para distinguir animais, os etólogos usam marcas identificatórias – faixas na perna, etiquetas ou marcações com tinta no pelo ou nas penas – ou procuram pela identidade nos comportamentos habituais, na organização social ou nas características físicas.

Nomear um cão é começar a torná-lo único – e, portanto, uma criatura antropomorfizável. Mas é assim que devemos proceder. Dar um nome a um cão é demonstrar interesse no entendimento da natureza dele; não nomeá-lo parece ser o auge do desinteresse. Os cachorros chamados Cão me deixam triste: eles já estão definidos como não sendo parte integrante da vida dos donos. O Cão não tem nome próprio; ele é apenas uma subespécie taxonômica. Nunca será tratado como indivíduo. Quando nomeamos um cão iniciamos a personalidade na qual ele se desenvolverá. Ao experimentar diferentes nomes para nosso cão, soltando palavras em sua direção – “Bela!”, “Fofinha!”, “Pituca!” – para ver se algum deles estimularia algum tipo de reação, senti que buscava pelo “nome dela”: o nome que já era dela. Com isso, o vínculo entre humano e animal – moldado no entendimento, não na projeção – podia começar a se formar.

Vá olhar seu cão. Chegue perto dele! Imagine seu unwelt (mundo interior) – e deixe-o mudar o seu.

 

Texto extraído do livro “A cabeça do cachorro”, da autora Alexandra Horowitz, PhD.