Veterinária do litoral paulista, Lais Belli, conseguiu reverter a perda de visão de um cão da raça Shih Tzu utilizando uma lente de contato humana comum. O caso ocorreu em Itanhaém e abre novos caminhos para tratamentos oftalmológicos alternativos em animais quando procedimentos cirúrgicos não são viáveis.

O caso do Shih Tzu que voltou a enxergar
O protagonista desta história é um cachorro de cinco anos que chegou ao hospital veterinário sem apresentar reflexos visuais. Segundo a veterinária Lais Belli, responsável pelo tratamento, o animal estava praticamente cego devido a uma lesão grave no olho causada por um cílio ectópico, uma condição onde um pelo nasce em posição anormal na pálpebra.
“Trata-se de um pelinho que nasce no lugar errado da pálpebra e fica constantemente encostando na córnea, o que acaba machucando o olho e causando bastante incômodo”, explicou a especialista. O atendimento ocorreu em fevereiro deste ano, inicialmente em um hospital na capital paulista.
A situação era delicada. A intervenção cirúrgica seria o procedimento padrão para este caso, mas dois fatores impediram esta opção: o cão apresentava comorbidades que aumentavam o risco cirúrgico e o custo do procedimento era elevado para o tutor.
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Como a lente de contato ajudou na recuperação
Diante da impossibilidade da cirurgia, a veterinária propôs uma alternativa: usar uma lente de contato terapêutica humana, feita de silicone e sem grau, para proteger o olho lesionado. “Era a única alternativa. Pensei: ou eu protejo essa lesão, ou esse olho vai realmente perder todas as chances, mesmo que sejam mínimas”, relatou Lais.
A lente funcionou como um “curativo transparente” que protegeu o olho da irritação causada pelos movimentos naturais da pálpebra. Essa proteção permitiu que a córnea se recuperasse adequadamente, além de controlar o processo doloroso durante todo o tratamento clínico.

Os resultados superaram todas as expectativas: em apenas 10 dias de uso da lente, o cachorro voltou a apresentar reflexos visuais. Após 15 dias de tratamento intensivo com colírios, o animal parou de usar a lente e recuperou totalmente a visão.
Diferenças entre lentes humanas e veterinárias
Embora existam lentes de contato específicas para uso veterinário, a profissional optou por utilizar um modelo humano comum devido ao custo mais acessível. A principal diferença entre as lentes veterinárias e humanas está na visibilidade: as veterinárias possuem círculos pretos para facilitar a identificação pelo profissional.
“Eu utilizo a lente de contato terapêutica humana e nunca tive problema nenhum. A diferença é que ela é transparente, o que exige mais atenção na hora de identificá-la”, explicou Lais. Para verificar se a lente continua no local durante as reavaliações, a veterinária aplica um corante que permite visualizar se a lente permanece intacta.
Segundo a especialista, os tratamentos podem ser feitos inclusive com lentes que tenham grau, desde que sejam gelatinosas e de baixo grau (entre 0,25 e 0,75) para não serem excessivamente grossas. Em alguns casos específicos, porém, uma lente mais espessa pode até ser benéfica, dependendo do tipo de lesão.
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Limites e possibilidades do tratamento
Apesar do sucesso no caso relatado, Lais faz um alerta importante: a técnica não é capaz de tratar casos de cegueira irreversível. “A recuperação ocorre quando a perda visual é consequência de lesão e inflamação, não de danos permanentes nos tecidos responsáveis pela visão”, ressaltou.
No caso específico do Shih Tzu, as chances de o animal ficar sem enxergar eram estimadas em aproximadamente 95%. O resultado positivo surpreendeu tanto a veterinária quanto seus colegas de profissão.
Após esta experiência bem-sucedida, Lais levou o método para sua clínica em Itanhaém, onde já o aplicou em casos similares. “Hoje, claro que a literatura não vai abraçar a causa de substituir uma cirurgia pela lente de contato, mas é um recurso alternativo valioso quando existem impossibilidades de realizar um procedimento cirúrgico”, concluiu.